A “teologia leiga”[1], diferente de popular, como o labor teológico feito e escrito por leigos a partir do seu lugar, pode oferecer contribuições para a teologia pública. Pensar a fé no lugar da laicidade é permitir que a teologia seja interpelada por questionamentos diferentes da realidade da vida sacerdotal e religiosa. As perguntas dos leigos são outras, elas têm a ver com a vida matrimonial, profissional, cultural, eclesial e cotidiana que desafiam o fiel a viver, na prática, a vida cristã. Viver como teólogo leigo é “compartilhar, muitas vezes, com os pobres, a insegurança do amanhã”, diz Maria Clara Bingemer.[2] Isto soa estranho aos ouvidos do teólogo religioso desatento que fez da vida sacerdotal uma opção por dedicação exclusiva expressa em um discurso divorciado da vida cotidiana comum das pessoas.
A reflexão do leigo é fundamental na reflexão da Igreja e também na universidade, segundo Bingemer:
A teologia – sobretudo aquela que elabora seu pensamento e seu discurso no meio acadêmico – não pode deixar de levar em consideração essa nova presença, essa palavra outra de leigos e leigas que, a partir de diferentes experiências de vida, à luz de cotidianas e sempre surpreendentes situações, descobre e desvela ângulos insuspeitos do Mistério, sobre o qual reflete e discorre.[3]
A teologia está experimentando na atualidade uma reconfiguração. “São cada vez mais leigos e leigas que a cultivam e diminui de modo chamativo a proporção de clérigos entre os teólogos”, afirma O’Murchu.[4] Para que seja rico e fecundo, o confronto entre fé e prática deve, para o teólogo, se dar na vida real antes que na teoria teológica. Isso implica como condição necessária que o teólogo tenha uma vinculação real com a vida concreta da comunidade eclesial e com os problemas do mundo. A luz própria da prática para a teologia consiste em que ela, por um lado, provoca o conhecimento teológico e, por outro, o verifica.
Carlos Cunha
[1] O uso do termo “teologia leiga” não é adequado. A expressão pode sugerir a falsa compreensão de que a teologia feita por pessoas que não fizeram uma opção pela vida sacerdotal e religiosa é inferior à teologia elaborada por estes. Isto não é verdade como buscamos deixar claro no texto. Os lugares do labor teológico é que são diferentes. O uso depreciativo que a palavra “leigo”, como aquele que não sabe, o que não pode, o que não é, não é adequado à rica e fecunda tradição cristã. Cf. O verbete “leigo” em: BOFF, Leonardo. Leigo. In: FRIES, H. (Ed.). Dicionário de teologia: conceitos fundamentais de teologia atual. São Paulo: Loyola, 1970.v.3. BOUGEOIS, Daniel. Leigo/laicado. In: LACOSTE, Jean-Yves. Dicionário crítico de teologia. São Paulo: Paulinas, Loyola, 2004. Há também uma abordagem história interessante sobre o papel do leigo na teologia. Cf. ALMEIDA, Antônio José de. Leigos em quê? uma abordagem histórica. São Paulo: Paulinas, 2006.
[2] BINGEMER, Maria Clara. A teologia e a universidade: desafios e perspectivas. In: FREITAS, Maria Carmelita (Org.). Teologia e sociedade: relevância e funções. São Paulo: Paulinas, SOTER, 2006. p.146.
[3] Idem, p.147.
[4] O’MURCHU, Diarmuid. Religion in Exile: A Spiritual Homecoming. New York: Crossroad, 2000. p.218.