Encontros decoloniais entre o Bem Viver e o Reino de Deus

Sinopse

Como propor alternativas de vida frente a um sistema mundial desigual e perverso? Como o Bem Viver pode ser um horizonte de sentido para as sociedades urbanas da contemporaneidade? Como a teologia cristã, com a categoria Reino de Deus, “responde” a falta de sentido de uma geração consumista e egocêntrica? Como estabelecer um encontro, diálogo recíproco e fecundo, entre o Bem Viver e o Reino de Deus almejando uma intelecção da fé em perspectiva decolonial?

Propomos apropriar-nos do termo “encontro” em toda a sua riqueza semântica para estabelecer colisões, com interpelações, conjunções, com distinções, entre o Bem Viver e o Reino de Deus no esforço conjunto em busca de um saber/fazer novo, criativo, decolonial e libertador. Chamamos este movimento de “Teologia de Abya Yala”. Associar a expressão Abya Yala (“Terra de sangue”, “Terra madura”, “Terra viva” ou “Terra em florescimento”) à teologia significa empenhar-se na construção de outros lugares de enunciação como expressões de resistência diante da colonização do poder, dando voz às epistemologias do Sul global. Por isso, necessário se faz, constantemente, libertar a teologia das suas amarras coloniais desvinculando a intelecção da fé de todo projeto de dominação em um empenho por manter o “cristianismo da libertação” ou como “cristianismo messiânico” para diferenciá-lo da cristandade colonial e afirmá-lo como movimento social e expressão intelectual crítica à modernidade/colonialidade.

Carlos Cunha

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https://www.editorasabercriativo.com.br/encontros-decoloniais-entre-o-bem-viver-e-o-reino-de-deus

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Provocações decoloniais à teologia cristã

A matriz da reflexão é a categoria fronteira. As primeiras intuições vieram da teologia de fronteira de Tillich, mas, agora, interpelado pelas problematizações da teoria decolonial, a fronteira recebe um novo significado e a teologia que daí advém tem um novo contorno. Mais do que um lugar propício para estabelecer encontros, o espaço entre os diferentes se tornou também um ambiente contestador, isto é, as margens das culturas, das religiões, dos conhecimentos e de todos os âmbitos da vida são habitadas por minorias que foram subalternizadas, empobrecidas e silenciadas por políticas hegemônicas no empreendimento perverso da colonização. Aquilo que conhecemos como “modernidade” oculta a face cruel dos mecanismos de dominação conhecido como “modernidade/colonialidade”. Nesta relação injusta entre o colonizador e o colonizado, a fronteira se tornou o recinto daquele que foi saqueado e explorado. Como pensar e fazer teologia a partir deste espaço?

Livro disponível para compra em: http://edicoesterceiravia.com.br/

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setembro 5, 2018 · 6:51 pm

Quero regressar ao Caminho

“Quero voltar ao início de tudo / Encontrar-me Contigo, Senhor / Quero rever meus conceitos e valores / Eu quero reconstruir / Vou regressar ao caminho / Volver às primeiras obras, Senhor / Eu me arrependo, Senhor / Me arrependo, Senhor / Me arrependo, Senhor / Eu quero voltar ao primeiro amor / Ao primeiro amor, ao primeiro amor / Eu quero voltar a Deus”

A primeira vez que ouvi essa música foi há quase 30 anos. Tão bonita! Louvor de letra simples e de melodia suave. Lembro-me dos momentos de oração, individual e comunitário, regados por esse cântico… Trazer à memória essa recordação é reviver experiências de comunhão com Deus e com irmãos na comunidade de fé e para além dela também.

A letra da música continua atual e pertinente. É uma súplica de quem anseia voltar ao aconchego dos primeiros encontros com o Senhor. Voltar ao início de tudo requer coragem de quem está disposto a rever conceitos e valores. O encontro com Deus é libertador. Ele nos interpela a avaliar àquilo que temos como verdade, como certo, como inquestionável. A reconstrução da nossa vida com e para o Senhor pressupõe abertura para a possibilidade de se desinstalar dos lugares acomodados e fazer novas experiências.

O caminho proposto pelo cântico de súplica é regressar para reconstruir. Ao voltar ao início de tudo, avaliamos com mais clareza o nosso estado atual. Retornos assim são imprescindíveis para manter a mente e o coração em bom estado. Ao retornar à casa paterna, para o ponto de onde se partiu, fazemos o exercício da anamnese, isto é, rememoração gradativa das experiências essenciais e latentes que dão enraizamento a nossa existência.

Eu me arrependo! Esta é a confissão de quem lamenta o mal cometido, sofre com o erro praticado. Na fé cristã, arrependimento é um sentimento de contrição e não de rejeição. É próprio de quem quer ver a salvação/libertação/ humanização do mundo e do humano sendo feita plenamente. Para isso, necessário se faz, praticar o bem a todos e a todas sem restrição. Somos chamados ao seguimento de Jesus Cristo na prática constante do amor.

Alguém já disse que não é possível voltar ao primeiro amor. Mentira! Não só é possível como necessário também. Voltar ao primeiro amor é voltar a Deus, a fonte de todo verdadeiro amor. Ele é amor em seu ser mais profundo. Isso significa que toda a sua atividade é atividade amorosa que tem como expressão máxima o evento Cristo. De modo que o amor primário não é o nosso, mas o de Deus, amor incondicional, não causado e espontâneo. Todo o nosso amor é apenas um reflexo do de Deus e uma resposta a ele.

Carlos Cunha

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O vento sopra onde quer

“O vento sopra onde quer e ouves o seu ruído, mas não sabes de onde vem nem para onde vai. Assim acontece com todo aquele que nasceu do Espírito” (Jo 3,8), afirma a tradição joanina. O pequeno versículo aponta para duas direções. Primeira, a ação livre e libertadora do Espírito para além das nossas limitações. Como vento impetuoso, o Espírito desestrutura a ordem estabelecida e concede a novidade. Segunda, biblicamente, o poder do Espírito está relacionado à capacitação de sujeitos e grupos empenhados em projetos de libertação, transformação, salvação/humanização. A vida cristã implica num novo nascimento.

A tradição joanina reconhece a unção de Deus por meio de Jesus Cristo no poder do Espírito, quando faz do sopro do Cristo ressurreto o comissionamento para o envio dos discípulos: “Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio. E, havendo dito isto, soprou sobre eles e disse-lhes: recebei o Espírito Santo” (Jo 20,22). O Espírito Santo remete Àquilo que produz vida, que está presente em tudo. A espiritualidade percebe a presença do Espírito no humano e na criação com o seu poder recriador. Ela guarda uma mística dos olhos abertos e das mãos operosas, consciente em relação ao sofrimento alheio. A sobrevivência da mística cristã nos tempos atuais está atrelada a um comportamento humanizador no relacionamento de valorização do outro, testificando o amor a Deus. Caso contrário, a “mística dos olhos fechados” ao humano e a criação seria puro modismo vazio e passageiro.

Será que a cultura contemporânea oferece um lugar para esse tipo de espiritualidade? Há quem diga que não, isto é, não há lugar na cultura tecnicista de hoje para uma espiritualidade como base para o aprofundamento da fé. Há outros que acreditam em uma espiritualidade leiga, sem deuses, sem crenças e sem religião como a única capaz de dizer algo aos seres humanos atuais. O sujeito não precisa de fé religiosa para aderir a ela. Existem também aqueles que apostam no momento atual como oportunidade única para o desenvolvimento de uma teologia criativa, capaz de reatualizar as suas categorias, à luz de um novo paradigma, numa teologia da espiritualidade. Ou conforme Karl Rahner: “O cristão do futuro ou será místico ou não será cristão”.

O certo é que o mundo tem uma marca de “trans-espiritualidade”, ou seja, espiritualidade entre, através e além da nossa capacidade de apreensão e com infinitas possibilidades. O conhecimento místico ou espiritual, típico do saber originário da fé, é um saber experiencial. Ele não separa a realidade de Deus da realidade humana no labor de uma teologia da espiritualidade. É um risco para a intelecção da fé se perder nos meandros de uma multidão de detalhes e obscurecer a percepção do que é realmente essencial. Há o perigo na caminhada teológica de trocar a fé sincera pelo intelectualismo. A teologia pode se tornar um ídolo quando deixamos de utilizá-la como meio para compreender o divino e o humano e caímos na idolatria das ideias, dos conceitos e dos sistemas. As consequências desta idolatria são esterilidade, insensibilidade e indiferença frente às demandas da vida concreta.

Há um retorno de uma “teologia espiritual” na atualidade. Em décadas recentes, uma mudança importante teve lugar na teologia ocidental. A mudança foi de uma teologia meramente dedutiva, local, para uma reflexão séria sobre a vivência de Deus em suas culturas plurais e transreligiosas. Em harmonia com essa mudança, e parcialmente por ela provocados, os entendimentos da vida cristã também mudaram. A “teologia espiritual” que daí emergiu deu lugar a um conceito mais dinâmico e inclusivo sobre a espiritualidade e uma considerável aceitação ecumênica. Assim os estudos sobre ela tendem a se inspirar também na riqueza do diálogo inter-religioso. Por mais ambíguo que pareça, o termo também encontra favor em ambientes não religiosos para descrever os valores mais profundos das pessoas que não professam nenhum sistema de crença.

O nosso tempo é marcado por “perguntas fortes e respostas fracas” (Boaventura de Sousa Santos). Não basta ser tolerante. A tolerância aparece como resposta fraca diante do acolhimento das diferenças. O reconhecimento, mais do que a tolerância, surge como resposta forte às sociedades plurais da contemporaneidade. Reconhecer é dar sentido e legitimidade ao outro. É um ato libertador. Já o tolerar, por mais que se admitem maneiras de pensar, agir e de sentir diferentes das nossas, não é capaz de conferir ao diferente a dignidade que lhe é merecido. Para que o diálogo interfé seja uma realidade concreta, urge a necessidade de reconstrução de uma espiritualidade capaz de promover encontros com denominações religiosas diversas de modo relevante e libertador. Uma verdadeira teologia do reconhecimento.

O Brasil, com toda a sua diversidade religiosa, tem um potencial incrível para encontros micro e macro ecumênicos. A mobilidade religiosa assinalada pelo último senso religioso (IBGE 2010) mostra o quanto a nossa cultura é capaz de articular o religioso com os anseios e necessidades do povo brasileiro. É verdade que há muita intolerância, mas também há movimentos de “princípio ecumênico” (maior que o ecumenismo) conscientes da responsabilidade comum, para além da comunhão entre os cristãos, e que abraça toda a comunidade humana. Fazer uma opção pelo ecumenismo significa assumir uma postura política, uma atitude engajada na busca por um outro mundo possível. Tal escolha testifica a ação do Espírito na vida de quem se deixa ser conduzido pelo vento que sopra onde quer.

Carlos Cunha

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Teologia cristã e sua tarefa pública

No decorrer da modernidade, a teologia se tornou cada vez mais restrita aos muros eclesiais e destinada ao consumo interno dos sujeitos religiosos. Seu caráter acadêmico e público perdeu visibilidade, enquanto as ciências positivistas ganharam força e se institucionalizam no âmbito das universidades, nas suas mais variadas especializações e aplicações técnicas. Mesmo admitindo certa legitimidade ao religioso, enquanto opção individual inscrita no âmbito dos valores que não devem interferir no exercício da razão, a comunidade científica dispensou a teologia de suas buscas e atividades interdisciplinares. Assim, a teologia se refugiou no exílio sem ter o que dizer ao sujeito dotado de uma razão técnico-científica. Ela se encontrava em uma situação paradoxal, em termos de sua legitimidade epistemológica.

A teologia sai do exílio quando a crítica bate às portas da pretensão objetivista e empirista da concepção positivista da ciência. A suspeita hermenêutica e ideológica questiona a experiência científica moderna mostrando a incapacidade da apropriação de um dado puro. Todo dado é interpretado e mediado pela linguagem. Além disso, a suspeita ideológica revelou que todo conhecimento reflete interesse. Assim, a concepção positivista de ciência começa a ruir. Por revelar visão interessada, absoluta e apodítica, torna-se equivocada.

Nesse cenário, a teologia sai da periferia e retorna à praça pública onde acontecem as grandes discussões existenciais. Ela retoma a sua condição como ciência da intelecção da fé capaz de dialogar com o mundo.

Na contemporaneidade, a intelecção da fé recebe o status de teologia pública, cujo labor não se limita à confissão religiosa, mas envolve outras esferas da sociedade civil. Hoje temos um novo reconhecimento da importância do saber teológico. Em alguns países europeus, como Bélgica, Alemanha e Itália, a teologia tem sido acolhida como um conhecimento legítimo e pleno, gozando, inclusive, do reconhecimento acadêmico e a emissão de diplomas emitidos por suas faculdades de Teologia.

No Brasil, a discussão sobre a legitimidade da teologia na esfera pública está em alta. São muitas as contribuições vindas dos programas de pós-graduação em Teologia e Ciências da Religião. As contribuições oferecidas por esses programas registram, cada qual com o seu olhar específico, o momento que estamos vivendo no Brasil, na busca da institucionalização plena da teologia, seja como área de conhecimento, seja como curso superior. O futuro da teologia na vida acadêmica nacional dependerá em muito de sua capacidade de fazer-se legítima dentro da sociedade contemporânea. A teologia é desafiada a demonstrar sua capacidade de dialogar com as ciências na busca da “verdade” e afirmar sua especificidade metodológica e sua função pública como conhecimento apto a discernir a realidade.

A tensão entre o privado e o público na teologia é motivo de acaloradas discussões. No âmbito do cristianismo, a Igreja é vista como o lugar natural da teologia a serviço da fé, de onde ela nutre o seu saber. Para teólogos dessa linha, fora do tecido eclesial não há autêntica teologia cristã. Se a teologia não serve à Igreja e aos cristãos, não serve também a sociedade em que a comunidade de fé está inserida. Por outro lado, na missão da Igreja, a própria teologia questiona sua confessionalidade ao desenvolver uma reflexão retroalimentada das práticas eclesiais em perspectiva libertadora tanto na Igreja quanto na sociedade. A sociedade interpela o caráter confessional de toda teologia. Confessionalidade melhor explicitada se faz à medida que estiver aberta ao mundo e ao humano. Caso contrário, torna-se fundamentalismo.

A função da teologia não se restringe ao âmbito intraeclesial, pois a Igreja não existe para si mesma. Igreja, ekklesia, palavra grega composta pelo prefixo “ek”, dá ideia de movimento para fora: “reunião”, “assembleia” ou “congregação”, voltada para fora. A Igreja é essencialmente missionária, de portas abertas, voltada para o mundo, em sintonia com as necessidades concretas da vida das pessoas e em obediência à missão de Deus, missio Dei.

Os conteúdos revelados da fé são transculturais, recebidos segundo o modo de seus receptores e transmitidos por sujeitos contextualizados. Não existe teologia não inculturada, ela é produto humano, com resultados provisórios em formulações aproximativas à fé cristã, consequência dos limites dos instrumentos de investigação. A teologia é produto humano, limitado pelas contingências culturais, o que não reduz em nada a Revelação. Pelo contrário, além de livrá-la do reducionismo ideológico, dá-lhe condições de abertura à nova compreensão do mundo e dos seres humanos, o que “faz da teologia um discurso ‘sobre’ o Absoluto e não um discurso absoluto”, afirma Agenor Brighenti.

No mundo atual, a teologia estritamente fechada, privada, monoconfessional, está condenada a não ser ouvida e a não ser sequer entendida pela sociedade. Diante da complexidade das culturas contemporâneas, tal teologia se mostra incapaz de dirigir-se à sociedade atual. Não é possível encetar diálogos de qualquer tipo com a opinião pública da sociedade como conjunto e pretender fazê-lo a partir das referências exclusivas de uma religião ou confissão.

Não estamos sugerindo aqui que o teólogo e a sua teologia não tenha senso de pertença. Não se trata disso. A teologia sem enraizamento confessional sofre de raquitismo nos seus fundamentos, além de ser sujeita à manipulação ideológica. Ela perde a identidade por não estar enraizada em suas fontes e sua tradição. O teólogo precisa estar enraizado na fé de uma religião, mas se permanece somente ali ele não estará à altura daquilo que seu trabalho exige dele.

A contemporaneidade com toda a sua complexidade reclama a construção de uma teologia consciente da pluralidade cultural e religiosa capaz de abraçar dentro de seu horizonte as experiências sócio-religiosas do conjunto da humanidade. Esta tarefa de reescrever a teologia, e/ou de recriar seu conteúdo, não implica apenas uma novidade no objeto, mas exige também uma novidade no sujeito, ou seja, faz-se necessário um novo tipo de teólogo, com um novo tipo de consciência e postura diante da atualidade.

Acreditamos que a teologia pública é resposta a esse anseio. Ela tem se mostrado como um discurso teológico re-situado no ambiente acadêmico, em diálogo com as ciências, e com uma implicação ativa nos debates que se desenvolvem na esfera pública da sociedade. Separada do âmbito da política, sem ser alienada, a teologia reconhece plenamente a liberdade religiosa e procura contribuir como parceira crítico-construtiva para o bem comum. Para isso, assume o seu caráter acadêmico, plural, inter e transdisciplinar.

Carlos Cunha

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Prêmio Capes de Tese 2016 – Menção Honrosa

Amigas e amigos do blog,

Com alegria comunico o recebimento da “menção honrosa” pela CAPES. Segue o texto recebido:

 

Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

Coordenação dos Órgãos Colegiados

 Brasília, 10 de outubro de 2016.

É com grande honra e satisfação que a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) outorga a CARLOS ALBERTO MOTTA CUNHA, Menção Honrosa do Prêmio Capes de Tese 2016 da área de FILOSOFIA/TEOLOGIA:subcomissão FILOSOFIA pela tese O CONTRIBUTO DO MÉTODO DA CORRELAÇÃO DE PAUL TILLICH À EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA PÚBLICA NO BRASIL NO CONTEXTO DO PENSAMENTO COMPLEXO E TRANSDISCIPLINAR”, defendida no ano de 2015, sob a orientação de GERALDO LUIZ DE MORI e Coorientação de , do Programa de Pós-Graduação em TEOLOGIA da FAJE – FACULDADE JESUÍTA DE FILOSOFIA E TEOLOGIA.

Sua contribuição certamente será de extrema valia para o desenvolvimento e aprimoramento da área, bem como para o avanço da pós-graduação e do conhecimento científico de qualidade no Brasil.

O resultado foi publicado no Diário Oficial da União de 10 de outubro de 2016, seção 1, páginas 18 a 21, Portaria n° 170, de 06 de outubro de 2016, disponível no link http://capes.gov.br/SECOL/PortariaOutorgaPCT2016.pdf. A Menção Honrosa constitui-se de certificado, conforme especificado no Edital nº 17/2016, publicado no DOU de 29/06/2016.

O evento de entrega dos prêmios acontecerá em Brasília, no dia 14 de dezembro de 2016, na sede da CAPES, às 18 horas. Durante o evento, os outorgados com menção honrosa serão destacados.

Não está prevista a concessão de passagens e diárias para essa premiação.

Contatos: premiocapes@capes.gov.br

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McMundo e as sementes do Reino de Deus: os lados da globalização

imagesuuu83v81O neologismo “McMundo”, em inglês McWorld, foi criado pelo sociólogo estadunidense Benjamin Barber em 1992, no seu livro Jihad vs. McWorld. Desde então, o termo passou a ser usado como referência à globalização econômica tendo a expansão internacional da rede de fast-food McDonalds como modelo. Para Barber, o McMundo é produto de uma cultura específica, impulsionado pelo comércio expansionista promovendo intercâmbios de bens e serviços. Longe de ser uma atividade isenta de valores ou culturalmente neutra, a nova ordem mundial age agressivamente em prol da difusão de uma cultura consumista globalizada reduzindo a vida e o humano a uma mercadoria.

“Intercâmbio econômico e cultural entre diversos países, devido à informatização, ao desenvolvimento dos meios de comunicação e transporte, à ação neocolonialista de empresas transnacionais e à pressão política no sentido da abdicação de medidas protecionistas”, esta é uma das definições dadas ao verbete “globalização” pelo ilustre linguista Antônio Houaiss em seu dicionário da língua portuguesa. Interessante a lucidez como Houaiss joga com as palavras. De um lado, ele realça o lado claro e notório da globalização. Ela não é um fenômeno exclusivamente econômico imbuído somente em espalhar capitalismo. A globalização, como plataforma global, compartilha trabalho, conhecimento, divertimento e culturas também. Seria tolice ignorar a sua capacidade em tornar global a liberdade e a diversidade humanas. Colhemos na atualidade os benefícios da troca de elementos culturais graças ao desenvolvimento das tecno-ciências. Isso é muito bom.

O outro lado acentuado por Houaiss é o lado oculto da globalização. Aqui está a “mcdonaldização” das comunidades planetárias pulverizando as diferenças por meio de ações neocolonizadoras regidas por um capitalismo selvagem. A perversidade desse movimento reside em iniciativas neocolonialistas que visam o controle e as intervenções, do uso da terra, dos recursos naturais e serviços públicos por parte das grandes empresas transnacionais. A riqueza das culturas subalternas desaparece diante da ganância de poucos que detêm as grandes fortunas. As imposições desse sistema neocolonizador não são só econômicas, numa espécie de neoliberalismo redutor da vida e do humano a um grande mercado livre. Há também imposições políticas, sociais, do conhecimento e até religiosas.

Devemos ter cuidado em não cair no lado oculto da globalização. Não podemos ser ingênuos. É preciso guardar a mente e o coração. O apóstolo Paulo escreveu aos cristãos de Roma: “E não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos, renovando a vossa mente, a fim de poderdes discernir qual é a vontade de Deus, o que é bom, agradável e perfeito” (Rm 12,2). Precisamos descolonizar a nossa mente de ideias desumanizadoras impostas. Não podemos ceder a uma lógica mental que instrumentaliza as relações humanas e a criação. Seja para um cristão ou não, a vida é um bem supremo digno de honra. Não podemos convertê-la em uma simples mercadoria de consumo. Antigamente, trabalhava-se para viver com dignidade e qualidade de vida. Hoje, nesse mundo plano, o sujeito vive para trabalhar buscando atingir metas de lucro e acúmulos de bens.

Além de guardar a mente, devemos guardar o coração. Numa exortação paternal, o provérbio afirma: “Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o coração porque dele procedem as fontes da vida” (Pv 4,23). O mundo de hoje exige vigilância. Corremos o risco de “ganhar o mundo” e perder a vida. Não há problema algum em trabalhar, adquirir bens e serviços. Isso tudo é legítimo. A ilegitimidade está na obsessão pelo trabalho e aquisição desenfreada de bens. O mundo globalizado tem uma tendência a vender marcas globais e valores de consumo. É preciso ter cautela e discernimento para não cair nesse laço e criar ídolos no coração. Alguém já disse que não se entra no reino de Deus se não sair do reino das riquezas.

O mundo globalizado exige discernimento do sujeito. Soa de bom tom a postura equilibrada do jornalista Thomas Friedman, no seu famoso livro The world is flat: a brief history os the twenty-first century (O mundo é plano: uma breve história do século XXI). Diz Friedman: “A lei de ferro da globalização é muito simples: se você pensar que tudo isso é bom, ou que tudo isso é ruim, você não entendeu. A globalização tem nela embutida tendências de dar e tirar poder, de homogeneizar e particularizar, de democratizar e de tomar medidas autoritárias”. Pois bem, cabe a nós escolhermos entre o lado claro ou oculto da globalização.

Se a globalização possibilita também a evidência das particularidades, que o momento seja oportuno para a descoberta de uma lógica de vida saudável. Lembremos o surgimento do Reino de Deus proposto por Jesus. Ele surge de forma tímida, particular e atinge grandes proporções. O reinado de Deus não é novidade exclusiva da mensagem de Jesus. A categoria “Reino de Deus” era símbolo bem conhecido entre os israelitas. Havia no meio deles a expectativa da irrupção de um reino teocrático e independente, isto é, um reino dirigido por Javé e desvinculado dos povos pagãos. A novidade de Jesus está na ressignificação de seu conteúdo. Jesus recria, a partir da própria experiência de vida, nova concepção de “Reino” e dá-lhe outro horizonte de expectativa.

A expressão “Reino de Deus” transmite a ideia de mudança total e estrutural dos fundamentos desse mundo, introduzida por Deus. Não significa simplesmente algo interior ou espiritual. Do mesmo modo, não se trata de realidade que vem de cima ou se deva esperar fora deste mundo, depois da morte. Em sentido concreto, o Reino aponta para a liquidação da alienação com todas as consequências na vida de mulheres e homens, na sociedade e no cosmos, a transfiguração deste mundo compreendido a partir do projeto salvífico de Deus.

Aqueles que se associam ao projeto da implantação do governo divino não podem permanecer à mercê de um sistema que aliena e oprime o ser humano. Jesus introduziu novo modelo de comportamento social. É preciso conversão. A mudança de vida em prol do bem de toda criação é característica da(o) cidadã(ão) do Reino de Deus. Jesus anunciou o Reino do Pai: a transformação radical deste mundo, segundo o projeto libertador de Deus. Onde há justiça, liberdade e amor, aí estão as sementes do Reino. O cristão, como discípulo de Cristo, não tem outro compromisso senão com o Espírito que nos anima na direção dessa esperança. A fé desmascara, à luz da palavra de Deus, o discurso ideológico dos dominadores e revela a opção de Jesus pelos marginalizados. Jesus assume a identificação com oprimidos, e neles quer ser amado e servido.

Carlos Cunha

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Paul Tillich e a teologia pública no Brasil

Amig@s,

O lançamento do livro está previsto para setembro.

Paul Tillich

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Curso: Ecumenismo e diálogo inter-religioso

Ista

Data: 1 – 5 de agosto de 2016 | 7h às 10h40 – 14h às 17h

Textos para a discussão

Claudio – Religiões e Paz Dupuis – El pluralismo religioso Ecumenismo, sociedade e missão Geffré – El futuro de la religion Hurtado – Diálogo inter-religioso Knitter – El Cristianismo como Religion Absoluta Magali – Pentecostalismo e Ecumenismo Nostra Aetate Santa Ana – Ecumenismo e novas chaves de leitura Unitatis Reintegratio Wolfl – Igrejas e ecumenismo Zwinglio – Ecumenismo e direitos humanos

 

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Teologia pública e espiritualidade cristã

imagesSerá que a cultura pós-moderna oferece um lugar para a espiritualidade? Há quem diga que não, isto é, não há lugar na cultura tecnicista da contemporaneidade para uma espiritualidade como base para o aprofundamento da fé. Há outros que acreditam em uma espiritualidade leiga, sem deuses, sem crenças e sem religião como a única capaz de dizer algo aos seres humanos atuais. O sujeito não precisa de fé religiosa para aderir a ela. Existem também aqueles que apostam no momento atual como oportunidade única para o desenvolvimento de uma teologia criativa, capaz de reatualizar as suas categorias, à luz de um novo paradigma, numa teologia da espiritualidade. Ou conforme Karl Rahner: “O cristão do futuro ou será místico ou não será cristão”.[1] Aderimos a este terceiro grupo na promoção de uma espiritualidade pensada no contexto da teologia pública.

No primeiro momento, a expressão “teologia pública” provoca estranheza; parece pleonasmo. É preciso entender o contexto em que se dá a utilização da expressão. Apesar da estranheza, “teologia pública” remete para a importância de pensar a natureza do seu conhecimento no esforço de esclarecer a sua legitimidade e legalidade. A expressão é nova, mas não a sua tarefa. Embora não utilizassem o conceito, teólogos como Ernst Troeltsch, Abraham Kuyper, Walter Rauschenbusch, Reinhold Niebuhr, Paul Tillich, Martin Luther King, James Luther Adams e Paul Ramsey contribuíram para o desenvolvimento daquilo que hoje chamamos de “teologia pública”. Estes e tantos outros teólogos compreenderam o modo público de fazer teologia.

Não há teologia pública uniforme e monolítica fora e dentro do Brasil. Não há um único significado sobre ela que seja autoritativo e nem uma forma normativa única de fazê-la. O termo “teologia pública”, expressa a ideia de que a teologia, embora esteja relacionada a comunidades de fé, não é assunto exclusivamente privado e nem questão de identidade comunal. A teologia pública envolve o esforço de interpretar o lugar público à luz de Deus. É um movimento que vai para além das fronteiras das comunidades de fé e atinge todos os povos. Do privado, Igreja, para o público, sociedade em geral, a teologia pública é expressão de comunidades políticas que almejam serem testemunhas especificamente cristãs entre todos os povos. Este testemunho não se reduz somente ao discurso cristão, mas fundamentalmente, pelo engajamento cristão em ações concretas no espaço público.

Para Jürgen Moltmann, a teologia cristã é teologia pública por causa do Reino. Deve fazê-lo sempre de forma correlativa. Ela deve ser, ao mesmo tempo, conforme a Escritura e contextual. Ela torna-se uma teologia pública, que compartilha os sofrimentos desta época e que formula suas esperanças em Deus no lugar em que vivem os seus contemporâneos. A novidade e diversidade do Reino de Deus, que não cabem nas igrejas, exigem que a teologia seja pública.[2]

A espiritualidade cristã que emerge da compreensão pública da teologia interpela o cristão a ter consciência da presença do Espírito Santo em toda criação. Segundo Leonardo Boff, “o Espírito se move em todas as coisas, em tudo penetra, recria a face da terra. Espiritualidade é captar esse movimento do mundo, o seu dinamismo, a presença do Espírito nas coisas todas”.[3] Ou como define Philip Sheldrake: “espiritualidade é o todo da vida humana visto em termos de uma relação consciente com Deus, em Jesus Cristo, por meio da morada interior do Espírito e dentro da comunidade de crentes”.[4]

A espiritualidade mantém a teologia em sua própria vocação, ela impede a teologia de evadir-se de seu próprio objeto real. A espiritualidade não busca responder à pergunta “Quem é Deus?”, esta é uma pergunta da teologia, mas preserva a orientação, a perspectiva, dentro da qual essa pergunta continua sendo uma pergunta evitada ou censurada em alguns ambientes e, em outros, uma pergunta relevante.

  1. Ruptura entre teologia e espiritualidade

A separação da teologia da experiência humana ocorreu quando os cristãos internalizaram uma oposição pós-iluminismo entre as esferas “secular” e “sagrada” da vida humana. Separaram a vida humana em duas realidades: a do mundo e a de Deus. Criaram a falsa impressão de que a esfera do mundo é contrária à esfera divina numa espécie de maniqueísmo velado capaz de gerar rupturas entre o dizer e o fazer da teologia. Infelizmente, as suposições intelectuais nascidas do Iluminismo ainda permeiam os círculos teológicos e nem sempre ficam à vontade com as noções de vivência, prática ou aplicação. Não sem motivos é que verificamos, na tradição protestante, por exemplo, o surgimento da “teologia prática” como um retorno a um labor teológico onde a palavra da fé é determinada pela experiência da fé que nutre fontalmente a teologia.

O conhecimento místico ou espiritual, típico do saber originário da fé, é um saber experiencial. Ele não separa a realidade de Deus da realidade humana no mundo. “Quem não ama, não conhece a Deus”, diz a epístola de João (1Jo 4,7). A ciência teológica faz bem em não esquecer o sentido místico de sua raiz etimológica, para guardar sempre um fundamental perfil contemplativo. “O que dá a experiência da fé à razão da fé é o ‘frêmito da vida’. Só um teólogo que banhe na experiência do Espírito vivificador e que saia daí gotejando poderá produzir uma teologia viva e vivificadora”, afirma Clodovis Boff.[5]

No Oriente, a tradição teológica conservou a ligação com a vida espiritual e com a liturgia. Já no Ocidente, a vertente mística tem dado lugar a um intelectualismo esterilizante. O questionamento intelectual ocidental contemporâneo fica muitas vezes fascinado com “o sagrado”, mas sem adesão à religião pelo sujeito. É um risco para a teologia se perder nos meandros de uma multidão de detalhes e obscurecer a percepção do que é realmente essencial. Há o perigo na caminhada teológica de trocar a fé sincera pelo intelectualismo. A teologia pode se tornar um ídolo quando deixamos de utilizá-la como meio para compreender o divino e o humano e caímos na idolatria das ideias, dos conceitos e dos sistemas. As consequências desta idolatria são esterilidade, insensibilidade e indiferença. De forma irônica, o ensaísta britânico C.S. Lewis (1898-1963) põe a situação de “inanição” do sujeito que desvincula a prática da fé:

O melhor a fazer é evitar que ele (novo convertido) faça alguma coisa. Enquanto ele não transformar isso em ação, não importará o quanto ele pense sobre o seu novo estado de contrição […] Deixe-o fazer tudo, menos agir. Não importa quanta piedade ele tenha na sua mente e no seu coração – ela não irá nos afetar se nós pudermos deixá-lo longe de sua força de vontade. Como disse um dos humanos, os hábitos ativos são reforçados pela repetição, mas os passivos são enfraquecidos. Quanto mais inativo ele ficar, mais incapaz será de agir e, a longo prazo, mais incapaz será de sentir.[6]

Primeiro, deixar de agir, depois, deixar de sentir. Assim é o processo para a morte da espiritualidade. A inatividade, a falta de ação, na caminhada cristã é sinal da falta de perspectivas que com o tempo vira insensibilidade para com Deus, com o outro, por si mesmo e pela criação. É a morte, como alienação, dando o seu sinal.

Para que a teologia da espiritualidade seja rica e fecunda, a relação entre fé e prática deve, para o teólogo, se dar na vida real antes que na teoria teológica. Isso implica, como condição necessária que o teólogo tenha uma vinculação real com a vida concreta das pessoas nos espaços públicos da sociedade, universidade e Igreja.

A tragédia de Auschwitz não foi só o símbolo da morte do modernismo como também da morte de Deus[7], ou seja, o colapso de um sistema religioso tomado pelo racionalismo esterilizante que tirou o teólogo do mundo da subjetividade, da afetividade. O teólogo completo, que também é místico, dotado de uma teologia genuflexa, praticamente desapareceu no tempo da teologia racionalista quando esta assumiu a perspectiva positivista da ciência.

  1. Teologia pública e espiritualidade

Hoje, na contemporaneidade, há um retorno de uma “teologia espiritual”. Em décadas recentes, uma mudança importante teve lugar na teologia ocidental. A mudança foi de uma teologia meramente dedutiva, local, para uma reflexão séria sobre a vivência de Deus em suas culturas plurais e transreligiosas. Em harmonia com essa mudança, e parcialmente por ela provocados, os entendimentos da vida cristã também mudaram. A “teologia espiritual” que daí emergiu deu lugar a um conceito mais dinâmico e inclusivo sobre a espiritualidade. Atualmente, o termo espiritualidade tem uma considerável aceitação ecumênica e assim os estudos sobre ela tendem a se inspirar também na riqueza do diálogo inter-religioso. Por mais ambíguo que pareça, o termo também encontra favor em ambientes não religiosos para descrever os valores mais profundos das pessoas que não professam nenhum sistema de crença.

Raimon Panikkar, argumenta que, visto que a teologia cristã tradicionalmente operava dentro do que ele chama de um diálogo dialético, isto é, por argumentação contra o outro, ela agora precisa aceitar um “diálogo dialógico”[8], que seja aberto aos valores do outro e da criação por meio de encontros:

O “não é bom que o homem esteja só”, não quer dizer, somente, que necessite companhia (para compartilhar o pão); significa, também, que é comunidade horizontal com seus semelhantes e vertical nas duas direções, para cima com o divino, para baixo com o telúrico. Dito com outras palavras: a experiência de Deus se faz em e com a totalidade da realidade, tocando diretamente os três mundos – experiência que muitos sábios chamaram o toque místico.[9]

Afirmar que espiritualidade e teologia estão relacionadas implica em dizer que, primeiro, e mais importante, as tentativas de falar sobre a doutrina cristã de Deus não podem ser separadas da fé e da vivência espiritual e, segundo, há sinais de uma convergência contemporânea entre a teologia e o novo campo de estudos da espiritualidade que, vistos pelo paradigma do pensamento complexo e da transdisciplinaridade, avançam rumo a uma teologia da espiritualidade disposta a se refazer diante das necessidades do sujeito pós-moderno.

O cristianismo ocidental precisa sobreviver hoje em dia em uma cultura fluida e intelectualmente incerta. Presenciamos, ao mesmo tempo e com a mesma intensidade, um declínio disseminado na prática religiosa tradicional do Ocidente seguido por uma fome crescente de espiritualidade. “Espiritualidades” destrutivas inevitavelmente refletem “teologias” inadequadas sobre Deus. A qualidade da espiritualidade reflete a teologia que está por trás dela. Qualquer versão de espiritualidade que tenha um tom individualista não é cristã e, portanto, fracassa em refletir a comunhão de relacionamentos iguais da automanifestação trinitária de Deus.

Experiências de mística e de espiritualidade apropriadas por instituições religiosas e, por elas domesticadas e privatizas, elitizaram a experiência da espiritualidade e a transformaram em fórmulas espiritualistas profundamente solipsistas. Solipsismo, na experiência espiritual, faz do sujeito a referência única “que se gaba de se sentir mais próximo de Deus do que a maioria dos mortais”, diz Frei Betto.[10]

Espiritualidades desengajadas do mundo, em vez de envolvidas com ele e com sua transformação, fracassam em refletir o irrevogável compromisso de Deus com o mundo em Jesus Cristo. A doutrina cristã de Deus procura manter um equilíbrio delicado de transcendência e imanência. Ela confronta espiritualidades ou práticas de devoção que põem uma ênfase desequilibrada em um aspecto do cristianismo com a evidente exclusão de outros.

É preciso superar um tipo de pensamento que pensa em dois espaços separados e contrários: o espaço de Deus e o espaço do mundo. Tal separação significa reduzir a realidade de Deus a uma realidade parcial o que não é verdade. A teologia pública não separa e não contrapõe, mas mantém juntas a realidade de Deus e a do mundo. O conhecimento espiritual, como um saber experiencial, não separa a realidade do divino do humano. “Quem despreza os seres humanos despreza o que Deus amou; e mais: despreza a figura do próprio Deus feito ser humano”, afirma Dietrich Bonhoeffer.[11]

Uma teologia e espiritualidade cristã que se desviam da cruz não terão muita coisa a dizer sobre a real presença de Deus no sofrimento, fracasso e pecado humanos. Essas realidades tornam-se intoleráveis. Por consequência, elas são ignoradas por algumas espiritualidades excessivamente otimistas. Seu principal papel parece ser proteger as pessoas da possibilidade de desespero final. Não sabem lidar com a “desordem”. A espiritualidade do conflito desinstala o sujeito da zona de conforto e faz da “desordem”, própria do pensamento complexo, oportunidade para que o fiel faça uma experiência afetiva com Deus.

O resgate da relação entre espiritualidade e teologia é desafiador para a teologia acadêmica contemporânea. Somos desafiados a reconstruir relações fecundas entre as atividades acadêmicas de pesquisa e os ensinos e aplicações práticas da oração, pregação, cuidado pastoral e evangelização. A prática, como por um “retorno dialético”, pode iluminar a fé e contribuir, com seu potencial epistemológico próprio, para o conhecimento teológico. A teologia, que tem na Revelação seu princípio determinante, encontra a fonte de seu conhecimento não só nas palavras da fé, mas também, e enquanto iluminada por elas, na prática da fé, que atualiza e encarna a Palavra no hoje. A vida de fé das pessoas e comunidades mostra aspectos do mistério de Deus a que o teólogo não deve de modo algum ficar desatento na construção de sua teologia.

Nesse sentido, a “teologia leiga”[12], diferente de popular, como o labor teológico feito e escrito por leigos a partir do seu lugar, pode oferecer contribuições para a teologia pública. Pensar a fé no lugar da laicidade é permitir que a teologia seja interpelada por questionamentos diferentes da realidade da vida sacerdotal e religiosa. As perguntas dos leigos são outras, elas têm a ver com a vida matrimonial, profissional, cultural, eclesial e cotidiana que desafiam o fiel a viver, na prática, a vida cristã. Viver como teólogo leigo é “compartilhar, muitas vezes, com os pobres, a insegurança do amanhã”, diz Maria Clara Bingemer.[13] Isto soa estranho aos ouvidos do teólogo religioso desatento que fez da vida sacerdotal uma opção por dedicação exclusiva expressa em um discurso divorciado da vida cotidiana comum das pessoas.

  1. Conclusão

A teologia está experimentando na atualidade uma reconfiguração. Para que seja rico e fecundo, o confronto entre fé e prática deve, para o teólogo, se dar na vida real antes que na teoria teológica. Isso implica como condição necessária que o teólogo tenha uma vinculação real com a vida concreta da comunidade eclesial e com os problemas do mundo. A luz própria da prática para a teologia consiste em que ela, por um lado, provoca o conhecimento teológico e, por outro, o verifica. Em outras palavras: interroga e reconhece a verdade teológica. Metz diz que:

A convergência dos mundos da fé e da vida, da mística e do cotidiano profano, do ensino e da vida, está se tornando cada vez mais difícil, e muitos fogem para a psicologia e a mitologia, sob códigos cristãos. Cada vez menos a reconciliação dos mundos da fé e da vida é passível de “ser ensinada”. Cada vez mais ela precisa ser conquistada, sofrida e expressa pelos fiéis, numa confiança e num estímulo mútuos. Naturalmente, para isso é necessário reduzir-se à mentalidade de assistência e de supervisão na vida eclesiástica.[14]

A provocação de Metz é pertinente. Em uma cultura fragmentada e dominante como a nossa é desafiante para a teologia da espiritualidade promover a união entre o discurso da fé e a sua vivência. Os teólogos de hoje são convocados a repensar uma teologia de forma integral, capaz de dialogar com o tempo presente, de forma criativa, levando em consideração a complexidade que envolve o mundo em diversos níveis e o abre para o mistério da vida e da sua polissêmica compreensão.

Carlos Cunha

[1] Cf. RAHNER, Karl. O cristão do futuro. São Paulo: Novo Século, 2004. p.78-81.

[2] Cf. MOLTMANN, Jürgen. Experiências de reflexão teológica: caminhos e formas da teologia cristã. São Leopoldo: Unisinos, 2004. p.17-34.

[3] BOFF, Leonardo. Espírito e corpo. In: _______; BETTO, Frei. Mística e espiritualidade. 6.ed.rev.amp. Rio de Janeiro: Garamond, 2005. p.76.

[4] SHELDRAKE, Philip. Espiritualidade e teologia: vida cristã e fé trinitária. São Paulo: Paulinas, 2005. p.53.

[5] BOFF, Clodovis. Teoria do método teológico. 3.ed. Petrópolis: Vozes, 1998. p.152.

[6] LEWIS, C.S. Cartas de um diabo ao seu aprendiz. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p.12,13. Esta obra-prima da ironia revela o retrato zombeteiro e irônico da vida humana feita a partir do ponto de vista do diabo Fitafuso. Na presente citação, 13ª carta de Fitafuso ao seu sobrinho Vermebile, o mestre Fitafuso ensina ao seu aprendiz como fazer para esfriar um cristão que começa a se envolver com os propósitos do reino de Deus.

[7] A expressão “morte de Deus” tem significado filosófico, e não teológico. Não é o Deus do cristianismo que morreu, mas a crença numa concepção sobre Ele que não comporta a prática desumanizadora proveniente de um tipo de conhecimento que domina para matar. É neste sentido que a expressão de Friedrich Nietzsche tem relevância. Cf. As secções 108, 125 e 343 em que Nietzsche fala sobre a “morte de Deus”, In: NIETZSCHE, Friedrich. A gaia ciência. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p.135,147-148,233-234.

[8] Cf. PANIKKAR, Raimon. Myth, Faith and hermeneutics. New York: Paulist Press, 1979. p.241-245.

[9] PANIKKAR, Raimon. Ícones do mistério: a experiência de Deus. São Paulo: Paulinas, 2007. p.95.

[10] BETTO, Frei. A crise da racionalidade e a emergência do espiritual. In: _______; BOFF, Leonardo. Mística e espiritualidade. 6.ed.rev.amp. Rio de Janeiro: Garamond, 2005. p.57.

[11] BONHOEFFER, Dietrich. Ética. 3.ed. São Leopoldo: Sinodal, 1995 .p.46.

[12] O uso do termo “teologia leiga” não é adequado. A expressão pode sugerir a falsa compreensão de que a teologia feita por pessoas que não fizeram uma opção pela vida sacerdotal e religiosa é inferior à teologia elaborada por estes. Isto não é verdade como buscamos deixar claro no texto. Os lugares do labor teológico é que são diferentes. O uso depreciativo que a palavra “leigo”, como aquele que não sabe, o que não pode, o que não é, não é adequado à rica e fecunda tradição cristã. Cf. O verbete “leigo” em: BOFF, Leonardo. Leigo. In: FRIES, H. (Ed.). Dicionário de teologia: conceitos fundamentais de teologia atual. São Paulo: Loyola, 1970.v.3. BOUGEOIS, Daniel. Leigo/laicado. In: LACOSTE, Jean-Yves. Dicionário crítico de teologia. São Paulo: Paulinas, Loyola, 2004. Há também uma abordagem história interessante sobre o papel do leigo na teologia. Cf. ALMEIDA, Antônio José de. Leigos em quê? uma abordagem histórica. São Paulo: Paulinas, 2006.

[13] BINGEMER, Maria Clara. A teologia e a universidade: desafios e perspectivas. In: FREITAS, Maria Carmelita (Org.). Teologia e sociedade: relevância e funções. São Paulo: Paulinas, SOTER, 2006. p.146.

[14] METZ, Johann Baptist. Mística de olhos abertos. São Paulo: Paulus, 2013. p.233.

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